Em liberdade trabalhamos

O Brasil possui desde o período colonial um vasto espaço e o início da sua ocupação esteve ligado aos interesses da política mercantilista à qual estava inserida a metrópole portuguesa. Foi nesse contexto de exploração que o Brasil foi ocupado, extraindo ou produzindo mercadorias de valor e direcionadas ao mercado europeu.

A produção canavieira em Campinas no final do século XVIII ajudou a recuperar as finanças de Portugal, após o declínio da extração do ouro nas Minas Gerais. O açúcar entrou novamente como produto de exportação na balança comercial da colônia. Passados alguns anos, Campinas tornou-se o maior centro produtor de açúcar da província de São Paulo. 

Na segunda metade do século XIX iniciou-se uma nova produção em solos paulistas, o café. O historiador campineiro Celso Pupo afirma não existir um marco que separa a produção açucareira e do café, pois “enquanto o café surgia paulatinamente, o açúcar ainda prosperava”. 

Campinas destacou-se como a nova frente produtora e exportadora, solos e cafezais mais novos, novas práticas agrícolas e a presença de trabalhadores livres possibilitaram a formação de um mercado interno. A acumulação de capitais obtidos com essa produção gerou um excedente garantindo o surgimento das primeiras indústrias no município, a ferrovia, empresas de serviço público, indústrias e bancos. 

Entre o final do século XIX e início do século XX esses solos produtores de café mostravam-se cansados e com baixa produtividade. Assim muitos fazendeiros da região de Campinas fracionaram suas extensas fazendas em pequenas propriedades, possibilitando que imigrantes europeus, aplicassem o pecúlio proveniente dos salários rurais na aquisição dessas pequenas frações de terras. Os fazendeiros garantiam capitais para serem reinvestidos nas novas áreas de plantio do café com melhor produtividade e maiores lucros. 

No fracionamento dessas fazendas e do surgimento dessas pequenas propriedades, Valinhos pertencia a Campinas, sendo elevada em 1896 à condição de Distrito de Paz. Muitos imigrantes europeus tornaram-se pequenos proprietários e fruticultores no distrito valinhense, e com o tempo houve uma diversificação da produção frutífera. Esse sortimento da produção esteve relacionado ao “rápido aumento da população paulista provocando a necessidade da produção de alimentos para abastecer o mercado interno”.

No ano de 1905, a Repartição de Estatística e Archivo do Estado de São Paulo produziu um relatório discriminando vários gêneros alimentícios produzidos no município de Campinas. E Valinhos figurava com uma modesta, porém notável, produção de vinho se comparada com toda a produção existente no estado de São Paulo. Outras frutas também foram produzidas, contribuindo para o incremento da economia local logo no início do século XX.

A produção do figo-roxo tornou-se uma importante atividade econômica em Valinhos logo nas primeiras décadas do século XX. Importante ressaltar que essa variedade é conhecida tecnicamente pela denominação “Figo-Roxo de Valinhos”, mostrando o significado para a nossa comunidade. Em 1914, o “Diario Español”, impresso em São Paulo e direcionado aos imigrantes espanhóis destacava que a pomicultura em Valinhos era uma atividade bem remunerada e que os figos produzidos já eram considerados os melhores do Brasil. A modesta economia valinhense diversificava-se: agricultura, indústrias e um interessante turismo nas águas radioativas do Hotel Fonte Sonia.

A imprensa carioca destacava em 1909 que “tem sido despachados de Vallinhos, para Santos, com destino a Buenos Aires, cerca de 20.000 abacaxis”. E observava que essa produção era uma importante fonte de renda para os produtores, além de ir “patenteando de maneira indiscutível os bons resultados da polycultura”. A diversificação da produção era incentivada. 

O jornal carioca “O Paiz”, em 1910, publicou levantamento feito pela prefeitura de Campinas, mostrando a quantidade de prédios existentes naquele município, dividindo-os entre as nacionalidades de seus donos. Em Valinhos os imigrantes possuíam 66 imóveis: italianos 55; portugueses, 06; espanhóis, 03; alemães, 01; sírios, 01.

No início da década de 30 do século passado, o distrito de Valinhos aparecia como uma das cinco cidades paulistas produtoras de laranjas exportadas pelo Porto de Santos, para a Europa e América do Norte. As cidades de Limeira e Sorocaba eram as maiores produtoras de laranjas. Campinas e Valinhos exportaram algo em torno de 1,5% da produção dessas duas cidades. Apesar da quantidade aqui produzida para exportação parecer insignificante, devemos considerar duas hipóteses. A primeira de que o produto não se enquadraria nas especificações exigidas pelos países compradores, por questões de solo e clima. A segunda hipótese é que essa produção preterida pelo mercado externo abastecia os centros urbanos próximos. 

Em 1926, o agricultor Batista Bigneti, começou a cultivar a variedade de maçã Ohio Beauty comercialmente. No ano seguinte, coube a José Trombetta, propagar esse cultivo com a venda de mudas enxertadas dessa variedade. Valinhos chegou a possuir um milhão de pés de maçãs, também conhecida como a variedade “Valinhos”, provavelmente originária das maçãs ácidas da França. Na década de 60, uma praga levou muitos produtores erradicarem a totalidade desses pomares. Hoje é possível apenas encontrar essas maçãs no Brasão de Valinhos, como uma lembrança do seu áureo tempo. 

Nesses últimos cem anos houve uma diversificação dos gêneros alimentícios aqui produzidos. Porém, a partir da década de 70, o município começou a perder extensas áreas agrícolas voltadas a essa produção. Hoje, esses espaços são reconfigurados por interesses ditados pelo mercado imobiliário especulativo. Apesar desse avanço, existe um considerável grupo de pequenos produtores que resistem. Afinal, como está cravado no nosso brasão “em liberdade trabalhamos”. 

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Gérsio Pelegatti é professor da História não aposentada






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